Jornalista tem que saber escrever
Não somente escritor, mas também jornalista tem que saber escrever. No entanto, o massacre da língua portuguesa é percebido, claramente, a cada dia em que lemos ou escutamos o noticiário.
Sei que muitos irão nos contestar, porque – afinal de contas – nem sempre o mau uso do idioma se fez ausente. Mas é indiscutível a constatação de que a piora aconteceu depois que extinguiram a obrigatoriedade de diploma de curso superior para o exercício do jornalismo.
Durante 10 anos seguidos lecionamos no curso de jornalismo de uma universidade.
A disciplina tinha o nome de Redação e Expressão Oral. Não era, portanto, nossa função ensinar o Português, cujas noções (pelo menos as mais elementares) os alunos já deveriam dominar.
Ainda mais que a disciplina era ministrada em sete semestres, e coube a nós exatamente lecionar na sétima etapa – portanto, a última – dessa série.
Ou seja: ainda que não dominassem pelo menos o básico, os estudantes dispunham de seis semestres anteriores para esclarecer dúvidas e passar, afinal, à fase derradeira de domínio do que não haviam aprendido até então.
Mesmo assim, ainda tive alunos que se situavam muito próximos da classificação como analfabetos, tão flagrante era a falta de domínio de uma ferramenta com a qual haviam optado por trabalhar profissionalmente.
Aparentemente, não tinham sequer a noção de que jornalista tem que saber escrever.
Nunca nos propusemos a exigir máximo rigor no uso do idioma. Sabemos que a Língua Portuguesa apresenta algumas dificuldades. E há até quem a defina, equivocadamente, como a língua mais difícil do mundo.
Mas colocar em prática ao menos o básico para uma comunicação eficaz e sem erros era o mínimo a se esperar.
A função da disciplina estava bem definida: adequar o Português ao estilo de redação e expressão jornalística. O Português básico já teria que estar dominado.
Jornalista tem que saber escrever para ser bem entendido
Lembro-me de que existiam alunos que redigiam corretamente, mas eram minoria. E recordo-me, também, de que uma das alunas que ficava mais insatisfeita, ao ver minhas correções em quase tudo o que ela escrevera, argumentava que era professora.
Isso nunca foi motivo de surpresa para mim. Sei perfeitamente que os professores são mal remunerados, trabalham em excesso e não têm a menor condição de se aperfeiçoarem.
Ou seja: tudo começa com o abandono do ensino público. E com a negligência de muitos governantes em relação ao desmonte do chamado ensino grátis, que não é grátis coisa nenhuma. E que acaba tendo um custo mais alto devido a esse abandono e a essa dose excessiva de negligência.
É triste ver uma nação quase inteira a destruir um idioma precioso, com suas dificuldades – repetimos – mas perfeitamente domável no que exige conhecimento básico.
Estamos conscientes de que existem os que defendem a ocorrência de mudanças em qualquer língua, ao longo dos anos e dos séculos.
Os idiomas são como seres vivos, que evoluem e sofrem mudanças ao longo do tempo.
A questão é que algumas das possíveis mudanças no Português não podem ser caracterizadas como evolução.
Aliás, nem mudanças são. Resultam apenas da preguiça e do desleixo de um povo que sempre foi adestrado pelo poder público a dar pouca importância à cultura e à educação. Sem ter consciência da gravidade dessa manipulação.
É verdade que isso piorou nos últimos quatro anos, quando os livros escolares foram criticados até por terem conteúdo.
Faltou apenas defenderem que os livros viessem em branco, para que então os leitores pudessem neles escrever.
Imagine-se no que se transformariam tais livros. Talvez em dicionários de erros.
Que justificariam, plenamente, novos livros, para que então se tornasse possível corrigir e explicar tais erros.
E esses, evidentemente, teriam que ser livros com conteúdo.
Ah, teria festejado Camões e – mais apropriadamente – Nélson Rodrigues, que exclamaria do túmulo: “Descobriu-se o óbvio ululante: livro tem que ter conteúdo!”
Existem soluções para isso. Mas a realidade desnuda outro óbvio ululante: falta muito para que aconteçam.
O ensino público está destroçado. E remodelá-lo em busca de grandeza e de aperfeiçoamento ainda é visto, por uma ampla camada de maus políticos, como gasto, e não como investimento.
Uma das providências urgentes, conforme já alertamos em um dos nossos muitos artigos, é cultivar a conscientização de que leitura tem que ser encarada com alegria, como atividade lúdica.
Outra providência (razão do presente artigo) é conscientizar os jornalistas de que uma mensagem é tão mais bem compreendida quanto mais bem escrita.
Vamos torcer para que bons ventos tornem possível esse alvorecer no ensino, na educação e na cultura. Para que cultivemos – não nos cansamos de repetir – o sabor do saber.
Se você odeia estudar gramática, clique na imagem a seguir
Sobre o Autor
0 Comentários